Parintins Filmes lança documentário "Um Monte Verde além da Baixa da Xanda"
Projeto resgata a história do Boi Garantido e traz histórias inéditas de Lindolfo Monteverde
DA REDAÇÃO: A produtora Parintins Filmes lançará, ainda em 2025, o documentário “Um Monte Verde além da Baixa da Xanda”, uma obra que resgata as origens do Boi Garantido e de seu fundador, Lindolfo Monteverde. O projeto explora as raízes familiares e as influências culturais que moldaram a trajetória do boi, apresentando histórias inéditas sobre Lindolfo e o processo de criação do Garantido.
Para contar essas histórias de maneira inovadora, o documentário vai utilizar animações 2D no estilo de literatura de cordel. A narrativa será conduzida de forma poética e acessível, entrelaçando memórias e vivências da cultura popular, com imagens gravadas no Pará, no Maranhão, e entrevistas com pessoas que vivenciaram a história do boi.
A obra pretende também revelar aspectos negligenciados e esquecidos do Boi Garantido. O projeto foi contemplado pelo Edital N° 18/2024 – Chamamento Público para ações na área do audiovisual – Lei Paulo Gustavo.
A motivação por trás do projeto
O proponente do documentário, professor Venício Garcia, compartilhou as motivações que o levaram a desenvolver o projeto. Segundo ele, as “inquietações deixadas pelos vazios históricos” sobre a memória de Lindolfo Monteverde e a criação do Boi Garantido foram fundamentais para a construção da proposta. Ele destaca que, ao resgatar as origens e influências culturais do Garantido, o documentário busca refletir sobre o legado deixado pelo mestre Lindolfo.
Garcia enfatiza a importância de entender o Boi Garantido não apenas como uma tradição, mas também como uma expressão de fé, paixão e mística, que permeia tanto o passado quanto o presente.
“Falar de tradição é sinônimo do Garantido. Taí a história de promessa, de fé da paixão pela brincadeira. No entanto, às vezes se faz necessário entender que caminhar para o futuro, sem esquecer o passado, é uma via de mão dupla. Mais do que nunca, as mudanças em vários aspectos da brincadeira, foi crucial para que esse boom do festival de Parintins viesse acontecer. Logo, que boi-bumbá queremos na contemporaneidade? Que boi-bumbá queremos enquanto referência, considerando tudo que foi construído e deixado no passado por esse grande menestrel que foi Mestre Lindolfo?”, questiona.
Venício Garcia
A literatura de cordel como ferramenta de narração
Uma das escolhas mais marcantes para a execução do documentário é o uso da literatura de cordel para contar a história. Garcia explica que Lindolfo Monteverde, em sua juventude, teve contato com histórias em cordéis. Para Garcia, o cordel representa uma forma de narrativa fácil e acessível, que aproxima o público da história, ao mesmo tempo que preserva a riqueza cultural do povo nordestino.
“O mestre Lindolfo leu muito cordel em sua juventude para criar e poetizar seus versos e suas rimas. Historicamente, nossa relação literária com o nordeste, sempre foi de cumplicidade. Trazer o cordel para contar essa história, é acreditar, que na essência; o ritmo, a rima e o versar, sempre serão expressões literárias de narrativa fácil e acessível, observando, logicamente, esse legado musical deixado pelo mestre, tão importante pro povo da Baixa da Xanda”.
Venício Garcia
A importância de preservar a memória
Em um relato pessoal, Venício Garcia fala da sua conexão com o Garantido. “Minha relação com o Garantido sempre foi de amor e paixão por essa brincadeira”, disse ele, relembrando sua trajetória no boi. Para Garcia, resgatar a memória do boi de Lindolfo é uma forma de honrar o legado cultural e a identidade de toda a comunidade da Baixa da Xanda.
“No Garantido, fiz parte da primeira formação da Equipe Impossível, jovens que ajudavam o mestre Jair Mendes com suas performances na apresentação do boi. Para além disso, fui diretor administrativo do boi e presidente do Clube Perreché, trabalho que fiz sempre priorizando o bem da nossa agremiação. Portanto, é prazeroso, pra mim, poeta e professor, resgatar essas memórias do boi de Lindolfo, o boi do: pescador, comedor de tucumã, jaraqui, povo da fé, do vaquejador e do caboclo da Baixa da Xanda”.
Venício Garcia
O Olhar Artístico e Inovador sobre o Boi Garantido
Para Emanoel Cardoso, codiretor do projeto, além das animações, o documentário contará com dramatizações e imagens de arquivo, criando uma fusão entre diferentes linguagens para dar vida à história.
“O maior desafio é fazer justiça à grandiosidade dessa história sem cair na armadilha da superficialidade. Estamos lidando com um enredo rico em detalhes, personagens e simbologias, e a missão do documentário é traduzir isso para a tela sem perder a autenticidade. Do ponto de vista técnico, há a complexidade de equilibrar diferentes formatos narrativos – entrevistas, dramatizações, animações e imagens de arquivo – para que a história se desenvolva de maneira fluida e envolvente. O documentário precisa ser, ao mesmo tempo, um tributo à tradição e um convite à reflexão sobre essa história, não apenas no passado, mas em seu impacto vivo no presente”.
Emanoel Cardoso
Filmagens em Locais Essenciais para a Narrativa
O filme será gravado em Parintins, e em outras localidades que têm estreita relação com a história do Boi Garantido. Cardoso destaca a importância de filmar nos lugares que são símbolos dessa trajetória, como forma de garantir a autenticidade e aproximar o público das raízes culturais que influenciaram a manifestação.
“Mais do que a filmagem in loco em si, o que também confere autenticidade a esse projeto são os relatos daqueles que vivem e respiram essa história. O olhar documental se fortalece quando conseguimos reunir as vozes certas – personagens que não apenas testemunharam, mas participaram. Gravar em Parintins e em outros locais que foram determinantes para essa trajetória é essencial para conectar geografia e identidade, mostrar como Lindolfo se torna uma lenda com a força de criar uma manifestação popular.”
Emanoel Cardoso
A Equipe Técnica e o Compromisso com a Pesquisa
O documentário conta com uma equipe técnica experiente, incluindo nomes como Venício Garcia e Wilson Nogueira, que têm um olhar aprofundado sobre a história do Boi Garantido. Para a produção, a pesquisa histórica é um pilar fundamental, garantindo que o filme vá além dos fatos mais conhecidos, revelando novas camadas e aspectos inéditos da história.
"A missão não é apenas resgatar o que já é conhecido, mas também investigar novas conexões e revelar como o legado de Lindolfo e o Boi Garantido continuam a influenciar o presente", comenta Cardoso.
Emanoel Cardoso
“Não temos a pretensão de reinventar a linguagem documental, porque sabemos que o cinema, apesar de suas revoluções tecnológicas, tem fundamentos narrativos e de linguagem que permanecem sólidos ao longo do tempo. Nosso objetivo é fazer um uso estratégico da inovação, sem perder a essência da boa contação de histórias. Isso significa unir o melhor dos modelos tradicionais de documentário com novas possibilidades narrativas e estéticas, buscando sempre a forma mais impactante e envolvente para cada momento da história.”
Emanoel Cardoso
O codiretor destaca que a produção pretende expandir a compreensão do Boi Garantido e de Lindolfo Monteverde para além do que é tradicionalmente conhecido.
Projetando o Futuro da Narrativa Audiovisual
Embora o projeto busque resgatar a história do Boi Garantido, Cardoso acredita que o documentário também pode potencializar a tradição da história de Seo Lindolfo, a partir das tecnologias de produção cinematográfica aplicadas.
"Queremos que este documentário seja um legado audiovisual, uma obra que resista ao tempo e que continue a ser uma referência para as futuras gerações", finaliza.
Emanoel Cardoso
Raízes que Contam Histórias: O Legado Familiar de Lindolfo Monteverde
O documentário explora as memórias do próprio Lindolfo e das tradições passadas ao longo das gerações da família Monteverde. Em uma profunda conversa com Dé Monteverde, neto de Lindolfo, é possível perceber a importância das toadas antigas, especialmente aquelas que Lindolfo cantava.
A transmissão das tradições familiares é também vista no culto de datas religiosas como o dia 24 de junho, dia de São João e o 13 de junho, dia de Santo Antônio.
Para o descendente de Lindolfo, o nome “Monteverde” carrega um peso simbólico imenso. O mestre não foi apenas um criador do boi, mas um catalisador de uma revolução na cultura do Boi-Bumbá.
“Para nós, é um motivo de orgulho muito grande carregar o sobrenome Monteverde, o qual ele (Lindolfo) foi o precursor, e a gente tem isso muito presente na nossa vida”, relata.
Dé Monteverde
O documentário, então, nos transporta para o contexto dessas memórias, mostrando a importância do sobrenome como um legado cultural que se perpetua na vida das gerações seguintes.
“Lindolfo Monteverde realmente não foi um mestre por acaso. Ele, com toda certeza, foi aquele camarada que fez esse divisor de águas da cultura do Boi-Bumbá aflorar de maneira grandiosa”, considera.
Dé Monteverde
“Os compositores que chegavam na casa dele para “quebrar a cabeça” como eles diziam, e escrever as toadas, eram sempre regados por esses chás que a minha vó fazia a pedido do meu avô, para que eles tivessem em harmonia naquele momento. Então uma das histórias mais marcantes na minha vida foi justamente poder conviver com ele no fim da vida dele, mas sempre com aquela impetuosidade de alegria, de estar com os seus pares, cantando os versos e tudo mais.”
Dé Monteverde
O Espírito de Seo Lindolfo: Memórias que Inspiram a Família
O neto de Lindolfo compartilhou as lembranças de ter vivido com ele entre os 7 e 9 anos, destacando a hospitalidade e a sabedoria do avô. Segundo ele, a casa de Lindolfo era um espaço de encontro para compositores e artistas, regados a chás que ele e a esposa preparavam, como o chá de canela e capim-santo. Para ele, a figura de Lindolfo era não apenas um mestre de cultura popular, mas um líder comunitário que transmitia seus conhecimentos com generosidade e alegria.
Entre o Passado e o Presente: O Desafio de Preservar a Identidade Cultural
A família Monteverde destaca que, para preservar a história do Boi Garantido, é necessário mais do que apenas relembrar o passado. O desafio é equilibrar inovação com respeito à história.
Dé acredita que a preservação da identidade cultural do povo de Parintins não é apenas uma responsabilidade familiar, mas de toda a comunidade.
“Eu sempre digo que sem os parceiros do Velho Lindolfo, ele não poderia fazer nada. Ele era um líder que comandava o seu boi como um todo, mas ele respeitava, acima de tudo, todas aquelas pessoas que, como ele, eram colaboradores do boi”,
Dé Monteverde
Para Dé Monteverde, a presença de figuras como Jair Mendes, que modernizou a performance do boi, e a contribuição de outros artistas, asseguraram que o Boi Garantido se mantivesse relevante.
“Sempre tem uma geração que sucede a outra. Eu penso que teve a geração do meu avô, e depois o mestre Jair Mendes entra com uma coisa inovadora, que é a questão do boi propriamente dito. E mais lá na frente vem a mudança das toadas, e todo mundo em Parintins com certeza tem o seu valor nas transformações do boi.”
Dé Monteverde
“Negligenciar a história e até mesmo deturpar a história, de forma proposital, é uma maldade sem precedente para a cultura. É por isso que um documentário bem feito, bem planejado e bem estudado, abre um canal muito significativo para um debate em volta de muitas coisas que as pessoas, até então, não sabiam, e que precisam saber. Muitas vezes as pessoas não travam um debate por não saberem e falam até coisas que não lhe dizem respeito”
Dé Monteverde
O Papel do Documentário na Divulgação de Histórias Negligenciadas
Um dos objetivos mais importantes do documentário é revelar aspectos negligenciados da história do Boi Garantido e sua criação. A obra se propõe a iluminar figuras que foram essenciais para a formação e crescimento do bumbá, que muitas vezes foram esquecidas ou subestimadas.
Em tempos midiáticos, é crucial que o documentário seja uma forma de dar voz a essas histórias não contadas. O filme, para Dé Monteverde, não é apenas uma celebração do Boi Garantido, mas uma crítica à forma como certos aspectos históricos foram ignorados ou distorcidos.
Um Monte Verde para muito além...
O projeto não é apenas um documentário, mas um resgate histórico, um acerto de contas com o passado e uma homenagem a Lindolfo Monteverde. Com histórias inéditas, segredos guardados e testemunhos emocionantes da família Monteverde, essa obra promete revelar, talvez, uma história como nunca antes contata.
O público pode esperar uma experiência única e autêntica. A expectativa é grande, e com razão, “Um Monte Verde Além da Baixa da Xanda” é um convite para mergulhar nas origens de um ícone e entender como a sua genialidade moldou a maior manifestação cultural da região Amazônica.
- Rafaela Alexandrino, Março de 2025


